sábado, 24 de outubro de 2009

“Não trabalhamos sob a pressão do diploma”

Nomeado presidente da Comissão para a Definição de Novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Jornalismo do Ministério da Educação e Cultura (MEC), José Marques de Melo, um dos mais respeitados intelectuais da Comunicação, depois de concluída a tarefa, agora percorre as universidades para debater os novos rumos do ensino de Jornalismo no Brasil. Ontem, o encontro com universitários, professores e jornalistas ocorreu na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC).

Participaram da mesa (da esq p/ dir), Chico Ornellas (Grupo Estado), Guto Amaral (Sindicato dos Jornalistas de São Paulo), José Marques (centro), Márcio Siqueira (Grupo Mogi News) e Haisem Abaki (Rádio Bandeirantes).

O convidado de honra chegou a dizer que não se prenderia ao tema, mas não teve jeito... o fim da exigência do diploma virou o assunto da noite.

Confira a íntegra da entrevista, minutos antes do evento:


NA PENEIRA: Em suas abordagens sobre a revisão das diretrizes no currículo dos cursos de Jornalismo o sr. salienta a revalorização do diploma. Consequentemente, a atualização do perfil do estudante, a melhoria na formação acadêmica e a formação de profissionais competentes. Essas mudanças curriculares abrem caminho para isso?
José Marques de Melo:
É possível, sim. Os Estados Unidos fazem isso há cem anos. O que falta aqui [no Brasil] é vontade política e capacidade para realizar. Na universidade, forma-se jornalista para trabalhar.

“O objetivo é melhorar a formação do profissional para fortalecer a democracia”

Essa revisão deve-se mais ao fato de as atuais diretrizes serem de 2001 e, portanto, precisam ser revistas, ou ao fim da obrigatoriedade do diploma na profissão? O que pesou mais?
Nem um nem outro. A revisão foi uma iniciativa do ministro Fernando Haddad (Educação) ao ensino superior, para reformular todas as áreas do conhecimento. O objetivo é melhorar a formação do profissional para fortalecer a democracia. Essa é a meta. Ele chegou à conclusão de que essa revisão abrangeria quatro áreas: Medicina, Direito, Pedagogia e Jornalismo. Mas o diploma não tem nada com isso. Essa discussão já estava há tempos no Supremo [Tribunal Federal] e quando iniciamos os trabalhos não se tinha essa ideia [do fim da obrigatoriedade]. Ficamos surpresos quando soubemos da decisão. Não trabalhamos sob a pressão do diploma, mas para formar jornalistas do século 21, e também para o mercado, que está em turbulência. Se a revisão não estivesse antenada para isso, ela já estaria defasada.

“Não formamos jornalistas para fazer mestrado e doutorado; essa não é a função do curso de Jornalismo”

O sr. já manifestou em entrevistas anteriores seu descontentamento com a falta de diálogo entre a academia e o mercado, sem perder a esperança de que esse quadro se reverta a partir das novas gerações de jornalistas. O sr. acredita que essa revisão também pode contribuir para isso?
Pode contribuir. Por um lado, estamos valorizando a instituição de vários canais de resgate da comunicação com o mercado. O estágio é um exemplo disso. Esse diálogo com as empresas serve para que elas também apostem na formação de profissionais. Por outro lado, os projetos pedagógicos estarão voltados às necessidades da sociedade. Toda carreira forma profissionais para o mercado. Os jornalistas são formados para produzir notícias. Aonde? Nas empresas. Consequentemente, esse diálogo é decisivo para manter a carreira atualizada e dinâmica. Não formamos jornalistas para fazer mestrado e doutorado; essa não é a função do curso de Jornalismo. Você até pode descobrir vocação para pesquisa e orientar o aluno, mas trata-se de uma minoria. A maioria quer a redação. Se não quer, está havendo algum desvio. É como se o médico só fizesse pesquisa. Não dá.

“Fui assistir ao julgamento que decidiu sobre o diploma e fiquei horrorizado. Percebia-se que eles [ministros] não tinham ideia do que seja a atividade Jornalismo”

O sr. acredita na reversão do fim da obrigatoriedade do diploma?
Acho complicado. Fui assistir ao julgamento que decidiu sobre o diploma e fiquei horrorizado. Percebia-se que eles [ministros] não tinham ideia do que seja a atividade Jornalismo. Do ponto de vista constitucional, a decisão do Supremo vai ficar cada vez mais complicada. Mas os parlamentares já estudam uma nova decisão, que seja legal, porque a obrigatoriedade foi baseada em um decreto lei na época da ditadura. Agora, se for pelo mérito, a partir do parecer do ministro Gilmar Mendes, será difícil reverter.


FRAGMENTOS DO DEBATE:

José Marques: “Estamos vivendo a revolução das fontes. Antes, as decisões eram tomadas nas redações; hoje, as fontes estão condicionando o processo noticioso”

José Marques: “O jornalista, quando decide o que publicar, nem sempre pensa em seus leitores”

Haisem Abaki: “Quem trabalhou com papel e carbono não vai se esquecer nunca, porque, um dia, teve de sujar as mãos com tinta”

Márcio Siqueira: “Antes de vir para cá, conversei com um advogado que me disse: ‘A PEC do Diploma vai ser como a PEC dos Vereadores: não vai dar em nada’”

Guto Amaral: “A discussão está enraizada na ideia de que a tecnologia escraviza o jornalista. Essa discussão é errada. O Jornalismo está ligado à revolução tecnológica”

Chico Ornellas: “Se opor ao fim da exigência do diploma é se opor a um governo que se mete em uma questão que não lhe diz respeito. Jornalismo não é questão de governo”

Um comentário:

Erich T. Loyola disse...

Tenho certeza que este debate, entre outros, fortalecem cada vez mais os profissionais da aréa, aproximando as pessoas da categoria para lutar pelos seus direitos.
Em um momento onde na história, a informação e o conhecimento são ferramentas importantes, para tomada de decição, não faz sentido o profissional jornalista não ter o devido reconhecimento!