Foram os conflitos relacionados ao cumprimento de legislação especifica para aprovação de projetos que colocaram a arquiteta mogiana Bianca Cristiane, 29 anos, frente a frente com paradoxos entre a teoria e a prática da profissão. “Meus clientes questionavam por que deveriam estar em conformidade com a lei se nem a Prefeitura está adaptada”, disse na segunda (5) em entrevista à série "Direito de Resposta".
Em 2008, com a tarefa de concluir a especialização em Design de Interiores no Senac de São Paulo, Bianca passou a buscar na arquitetura um espaço universal, “acessível a todos”. De trabalho acadêmico a bandeira profissional, o assunto acessibilidade tornou-se paixão pessoal e mudou sua forma de enxergar o portador de deficiência no lugar público.
Não, Bianca não tem portadores de deficiência na família. “Mas é aí que entra a acessibilidade. Não tenho deficiência, mas um dia serei gestante e idosa, ou seja, nos dois casos terei a mobilidade reduzida. A questão não envolve só o deficiente, mas facilitar o acesso, independentemente da sua condição física, já prevendo o momento em que todos nós teremos a mobilidade reduzida, seja por um pé quebrado ou qualquer outro motivo”, justificou.
Recentemente, ela criou o blog Mogi Acessível. Leia mais em “Os obstáculos da acessibilidade”.
Por Marlon Maciel
NA PENEIRA: De onde surgiu a idéia de fazer um projeto acadêmico de adequação do prédio da Prefeitura aos padrões de acessibilidade?
Bianca Cristiane: Na verdade, a proposta foi feita para todos os órgãos públicos que exigem a aplicação da legislação [baseada na NBR 9050, de 2004] para a aprovação dos projetos de construção e reforma e [descobri que] os próprios não se adaptam. Nenhum deles é completamente acessível. O único que prevê alguns itens é o Corpo de Bombeiros. Já a Prefeitura é a que mais apresenta conflitos entre a exigência da lei e a não adequação. O tema do projeto, apresentado na pós-graduação em 2008, foi “Projetar, Acessar, Integrar: Órgãos Públicos e o Design Universal”. Consiste na eliminação de barreiras arquitetônicas: mudança de mobiliário, atendimento capacitado, comunicação visual eficiente, implantação de pisos táteis, alarmes sonoros. Contemplou soluções com mudanças mínimas na estrutura física.
Qual o grau de acessibilidade o prédio apresenta hoje?
Partindo do ponto de vista dos deficientes, é zero. Os acessos aos andares superiores são feitos somente por escadas. Não há pisos táteis para direcionar deficientes visuais nem sonoros aos deficientes auditivos. O ponto crítico é a ausência de elevador.
Essas mesmas condições são encontradas em repartições públicas em todo Alto Tietê...
Na maioria dos casos, os prédios públicos são antigos, muitos deles tombados pelo Patrimônio Histórico. É uma grande contradição. Afinal, para que os pequenos projetos passem a ser construídos dentro dos critérios de acessibilidade, o exemplo deve partir de quem exige o cumprimento da lei.
“Mogi nunca será uma cidade totalmente acessível, mas pode melhorar muito”
Mogi é só mais um exemplo...
A cidade tem o agravante de ser “quatrocentona”. As ruas do Centro são estreitas, poluídas visualmente e existem os tombamentos pelo Patrimônio Histórico. Não há passeios públicos acessíveis nem prédios públicos totalmente acessíveis. Nunca será uma cidade totalmente acessível, mas pode melhorar muito. Uma das providências está sendo tomada: aprovar só os projetos que contemplem essas questões.
Você integra a Comissão de Acessibilidade e Transporte do Conselho Municipal para Assuntos da Pessoa Portadora de Deficiência. Qual o papel da Comissão?
O combate à exclusão social no município é feito por meio da Casa dos Conselhos, integrada à Secretaria de Assistência Social, constituída por vários Conselhos. Entre eles, o de Assuntos da Pessoa Portadora de Deficiência, composto por funcionários públicos, entidades de apoio às pessoas com deficiência e convidados. Ele é responsável por ouvir as associações nas reuniões mensais que irão estabelecer diretrizes voltadas aos deficientes e sugerir medidas que assegurem o exercício da cidadania.
Hoje, há muito mais informação sobre acessibilidade/mobilidade urbana se comparado aos últimos dez anos. Na prática, porém, pouco mudou. É exagero dizer que o deficiente ainda é ignorado?
O problema está nas pessoas. Há pouco tempo, os deficientes simplesmente não existiam. Por ignorância ou falta de vontade em perceber que os deficientes querem ir às ruas, as pessoas preferem ignorá-los. É mais fácil. O arquiteto é elemento importante na mudança desse pensamento. Aos poucos, ele deve orientar seu cliente e explicar quanto valor agregado há em um projeto acessível. Esse processo ainda é muito lento e dependerá de conscientização e adaptações urbanas.
“As leis que hoje vigoram só funcionam porque são aplicadas multas. Se não for assim também com a questão da acessibilidade, ela nunca vingará”
Uma das questões na última reunião do Conselho foi justamente o conflito entre a aplicação de lei específica à aprovação e regularização de edifícios públicos e comerciais frente às construções e reformas feitas fora dos padrões de acessibilidade. Qual é a sua avaliação?
Há vários fatores que contribuem para esse quadro. Profissionais não capacitados, fiscalização leiga, proprietários desinformados ou que tentam burlar as exigências. Todos os projetos só devem ser aprovados se, no papel, estiverem de acordo com a legislação. Mas nas ruas não é isso o que acontece. É o velho “jeitinho” aliado à falta de fiscalização. As leis que hoje vigoram só funcionam porque são aplicadas multas. Se não for assim também com a questão da acessibilidade, ela nunca vingará.
A Prefeitura de Mogi tem planos de construir um Centro Paraolímpico, um centro de treinamento para paratletas. Não há uma incoerência nisso?
Sim. Por um lado, é incoerente, se considerar que temos ainda muito a melhorar na questão de acessibilidade, mas, por outro lado, vemos que há um comprometimento da atual administração sobre o assunto. Se realmente for criado esse centro de treinamento muitas coisas deverão ser adaptadas, a cidade deverá ter o mínimo de infraestrutura para receber os atletas e oferecer o mínimo de acesso à população.
“Agora, é cobrar para que as obras novas sejam feitas corretamente e não se tornem futuros problemas”
Mas isso não é como construir uma casa a partir do telhado?
Na maioria das cidades é isso que vai acontecer. É necessário rigor nas novas construções e aos poucos ir consertando as coisas já prontas. Não temos como “reconstruir” a cidade de uma vez, ainda mais uma cidade antiga como Mogi. Agora, é cobrar para que as obras novas sejam feitas corretamente e não se tornem futuros problemas e ir adaptando as obras antigas na medida em que precisarem de reformas.
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7 comentários:
Parabéns a Bianca!
Bibiii!!! Showww, adorei de verdade,tenho certeza que papai do céu vai dar muita força e muita saúde pra vc continuar este trabalho de conscientizaçao e atuaçao!! vc é sem palavras, mil beijos ...Adriano
PS: Virei teu fã rs
Grande Marlon. Parabéns pela iniciativa de levantar esse tema em seu blog. Concordo que o assunto passa desapercebido na maioria das vezes, e uma das formas de criar um destaque é fazendo o serviço correto do jornalismo: tornar a informação interessante ao receptor. Li e gostei muito. Parabéns também para a Bianca. Espero que ela tenha sucesso nessa empreitada. Abraços!!
Bacana demais, Marlão! Forte abraço! Coca
A Bianca é um exemplo de profissional engajada, preparada e com compromisso social. Tenho muito orgulho de poder contar com essa garota de sorriso encantador no meu humilde projeto de "dominar o mundo"!
Marlon, parabéns pela entrevista e parabéns à Bianca pelo compromisso social ligado à sua profissão...
Beijocas!!!!
",...em relação a acessibilidade para deficientes, eu proponho uma dinâmica,...em razão da dinâmica "protesto,...reuna, empreste,...quanto for possivel de cadeiras de roda,...disponibilize todas em frente a prefeitura ou camara municipal,...(um dia em uma, outro dia em outra),...diga que todos que forem entrar no prédio, por favor, utilizem as cadeiras!,...pode ser que eles entendam o recado,...não esqueça de chamar a midia!
Um grande abraço
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